7 de junho de 2010

A poesia como performance

Annita Costa Malufe, COMO SE CAÍSSE DEVAGAR, Ed. 34, 2008


O último livro de poesia de Annita Costa Malufe intriga, de início, pela escolha dos autores e trechos que compõem a epígrafe: Deleuze e Mallarmé. O trecho citado de Um coup de dés, parece fazer da consideração do poeta francês um convite à uma maneira de ler o conjunto de poemas de Como se caísse devagar: “(...) resulta, para quem queira ler em voz alta, uma partitura”. Da indução de uma poesia em performance, simulando o “ao vivo”, se relaciona à referência a Deleuze. O poema de Annita se desenrola como ilustração de um procedimento de imanência, conceito religioso e filosófico. No caso, é o poema que se encena como a exibição de uma potência de sentidos possíveis do que foi enunciado e do que restou em silêncio, como sugere o filósofo francês: “todas as coisas falam e têm um sentido”. Utilizo a palavra poema no singular, pois os blocos de textos se concatenam de forma a construírem unidades de sentidos entre eles, se assemelhando, muitas vezes, a prosa. Assim, fica difícil demarcar os territórios de cada poema, ainda que haja diferenciações na espacialização no decorrer do livro. Tais diferenciações acabam por sugerir fôlegos de leitura diversos, que organizam a exposição de idéias em contínuo desdobramento como se fossem “divisões prismáticas da idéia”, para citar, novamente, Mallarmé.


De fato é como se o leitor estivesse diante de uma exibição. Sugerida, aliás, logo nos primeiros versos: “haveria alguém detrás das cortinas/quando as luzes se acendessem quando/ as cortinas se abrissem haveria alguém/ ali ao fundo de costas haveria um corpo (...)”. Através do procedimento de simulação de encenação se tem a sensação de que o poema se constrói no momento de sua leitura: expondo as dúvidas e excitações sobre como e o que escrever e escancarando o desejo de ser ouvido/lido. O poema vai, assim, denunciando o seu procedimento de composição ao revelar consciência de suas influências e inexistência de originalidade pura (“[..] há um pacto você não está sozinha seria mesmo/ uma certa ingenuidade acreditar numa autoria/ exclusiva olhe ao redor a mesa está posta e há um [..]”).


Das várias vozes que ecoam no interior do livro, duas merecem destaque: Ana Cristina César e Marcos Siscar. A poeta carioca é referência explicita, com citações que explicitam a intertextualidade e o “roubo” de versos, procedimento também empreendido por Ana C. De Marcos Siscar, poeta contemporâneo, a ligação está no plano formal (textos com pontuação quase inexistente, blocos de poemas em prosa) e na busca de uma dicção prosaica, mas, ainda assim, sofisticada.


Vale mencionar que Annita Costa Malufe estudou os dois poetas, à luz de teorias da filosofia da diferença, na qual se enquadra Deleuze, em seu trabalho de doutoramento (defendido em 2008). Assim, não parece exagero interpretativo considerar seu trabalho crítico como uma busca de um método de construção poética. Além de revelar um rastreamento dos precursores para a sua própria literatura.


Como se caísse devagar, resulta em um sólido projeto, pois chegamos ao fim da leitura com a sensação de enceramento de espetáculo. Explicita a performance do literário, questionando também seus limites. Tal procedimento é revelado desde o título, composto por uma frase condicional, e que no decorrer da leitura nos leve a questionar quais seriam as condições para a existência da poesia, revelando a multiplicidade de sentidos decorrentes das mais diversas e possíveis leituras de um texto literário.



2 comentários:

  1. Menina tem que publicar isso em algum lugar. Ou fazer um blog para resenhas. Coisa de profissa.

    Bjs.

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  2. oi tatiane, obrigada pela leitura tão atenta e competente. (onde encontrou minha tese? por acaso? fiquei curiosa!) abraços, e sim, continue com as resenhas.
    annita costa malufe

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