22 de dezembro de 2010

impossível movimento da fome

“Eu podia comer o céu”. Ela pensou repetidas vezes. Imaginou-se comendo à mordidas e chupadas. Com uma voracidade corpulenta. Que escorresse pelos cantos da boca e terminasse nas articulações dos pulsos. Sensação de infância restaurada na imagem dos pés de frutas que não existem mais. Se procurasse aquelas antigas imagens por muito tempo não aguentaria o lento sufocar-se. “Não posso mais.” Como comer o céu pelas beiradas sem se comer pelos meios? Era demais suportar as sucessivas repetições dos mesmos desgastes em cenários corporais diferentes. Se houvesse uma brecha que satisfizesse. Quem sabe não poderia ficar em ponto morto mais um pouco. “O céu eu como quando eu quiser, mas te comer só enquanto durar o tilintar desse seu tea for two em ritmo de pausa para o café. Não me olhe como se eu fosse a instauração da sua zona de conforto no seu desejo de castração. Não usarei em ti a minha lâmina cega de ferrugem. Não me olhe ou então os coelhinhos voltam. Já matei muitos e posso afogar quantos mais quiser. Mas não agora. Fica! Escuta o cheiro desse café que você acabou de passar. Já tomei alguns em manhãs de coadores diferentes. O cheiro do seu faz barulhos cadencialmente ordenados. Eu ainda continuo querendo comer o céu à mordidas na hora do jantar. Mas agora eu só escuto você e o café a cantarolarem que é impossível levar um barco sem temporais. E chove a cântaros e é impossível um barco.”

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