5 de julho de 2014

Sábado à noite é o mês mais cruel


Lá fora a cidade arde, alarde, morde e cala. Fico aqui de dentro procurando também medidas preventivas contra o caos. As máquinas de distrair estão cada vez mais bem elaboradas para cumprir o propósito. Tenho redes sociais, streaming, filmes, séries, wi-fi, câmera, dramin e esse cursor piscando na página digital. Como pode?! A gente morar na maior cidade da américa latina e qualquer chuvinha besta fazer a conexão cair? Travar o tráfego? Mas, agora não chove mais. O tempo não fecha, ele é de dura secura. Aumenta a poeira conforme diminui as águas do sistema cantareira. Sinto alergias, rinites e essa pigarra na garganta que sufoca minha voz e inadvertidamente desentope desopilando o fígado. Bilis ou bliss? Senhoras e senhores: põem as mãos no chão. Aqui é pimenta, pimentinha temperada na cozinha: com sal, arroz, e feijão: porções de ração humana. Você é o que você come, eles dizem. Os fatos do mundo me circundam. Rodeiam e me adoecem. Sinto o calor do sol inundar minh'alma. Não sinto muito mais do que isso. É inverno nos trópicos. Pudera eu ser uma chave on/off para que pudesse controlar a grossura dos líquidos que escorrem das sensações. Não sei muito bem dizer onde estamos (e deveria?), muito menos para onde vamos. Sei que essa estrada vai indo. Não a caminho, ela me percorre como em uma esteira da estação do metrô. Ou qualquer outra que funcione nesse mesmo sistema de roldanas. Ou ainda, quem sabe, uma escada rolante qualquer, que um dia já foi sinal de ostentação. Onde nasci, durante muitos anos havia apenas uma dessas rolantes que subia nas lojas pernambucanas porque pra baixo todo santo ajuda. E eu achava que aquelas bolas laranjas em fios de alta tensão eram bolas de basquete. As autoestradas deveriam funcionar assim, pit-stops de encruzilhadas para dizer o melhor roteiro. Penso no tédio desse sábado à noite e imagino as atendentes de telemarketing espalhadas por call centers, em suas baias, com seus microfones acoplados ao fone de ouvido. Queria, por um breve momento, que a aporrinhação do trabalho pudesse ser consolo para alguma coisa. Ilusão. Meu olho tenta se mover, mas ele fica parado pensando em figuras complicadas. Não encontro mais o ponto em que a ternura se converte em teoria. Fico é marcando o ponto. Eu não sinto mais nada, agora que não preciso mais decidir o que fazer com toda essa ternura. Ternurinhas formigadas. Ligo a tevê para ouvir o barulho da diversão enlatada, concentrado pior que o de caldo knorr. O brilho azul dos pixies atormentam a visão. Feito esse sorvete flamejante de cereja, a aumentar o tédio. Amanhã é preciso acordar, apesar de domingo. “Wake up is painful”, leio na legenda. Desligo em seguida. Dou um suffle na música e na lista de contatos, em busca de alguma confusão ou de algum barato total. Rádio toca “Woman is the nigger of the world”. Hoje à noite eu não queria precisar lembrar que em média duas mulheres por hora são vítimas de violência sexual: “Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam para uma situação mais sombria se for levado em consideração o número de mulheres vítimas de violência em geral. Cerca de 70% das mulheres do mundo sofrem algum tipo de violência no decorrer de sua vida, diz a organização. Em todo o mundo, uma em cada cinco mulheres será vítima de estupro ou tentativa de estupro, calcula a ONU.” Mas, Cássia, é impossível esquecer. A solidão esvazia a cabeça e enche o coração. Sem essa de morde-e-assopra nem de esconde-esconde. Não sou a cabra cega das paixões. Isso aqui não é loteria, muito menos um bilhete premiado. No meu coração eu fiz um lar. No vazio fico imaginando que cor terá se derreter. Você não sente, também, uma certa paz, uma calminha à toa, ao ouvir aquele momento de silêncio quando por um instante os carros ficam parados no farol, o trânsito se suspende e não tem mais buzina, nem ronco de motor, nem movimento passando rápido pelo canto do olho?





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